terça-feira, 21 de agosto de 2012

grande medo agarrado a grande amor


Sonho com piqueniques. E agora, com esta obrigação que parecia tão aborrecida de ler "Os Maias", sonho connosco no parque modesto aqui da cidade a ler esse mesmo livro, enquanto nos deliciamos com sumo de laranja ou até mesmo com aquele sumo natural de morango que eu ambicionava saber fazer na perfeição e talvez uns queques em forma de coração que me ajudaste a preparar na noite anterior. Uma sombra fresquinha, aquela manta que comprei também a sonhar com estas ocasiões. E depois tu, tu que estás em tantos textos do nosso diário e daqueles que tenho de escrever para a escola.
Penso até na nossa ida ao Pingo-doce que, se não ficasse tão pertinho de casa, "já nem ia lá", como diz a minha mãe. Histórias do povo que emanam das televisões todas as noites. Compraríamos os ingredientes necessários para o jantar e eu, ao chegar a casa, enfiava-me na cozinha. Ria-me para a minha mãe e dizia-lhe para que não se preocupasse. Vejo-te sentado na cadeira, pegando num jornal esquecido de meu pai. Vejo-te; tu, que te interessas pelo mundo e por mim. Talvez te conseguisse mesmo convencer a fazer as palavras cruzadas e a ditá-las alto, para também eu te ajudar. Eu que sou a tua luz.
Sonho com tantas coisas, que às vezes me farto de esperar por esse dia. Esse dia em que tu chegas, em que apareces e que, feitas as contas, não acontece nada daquilo que eu havia idealizado. Por vezes, amuo e faço birra, como as crianças pequenas que um dia encherão nossa casa. E isso porque tenho medo que tudo se perca pelo caminho, que nós nos afastemos e todos os meus sonhos não passem de fantasias que um dia recordarei, talvez frustrada por não ter sido capaz de as tornar realidade. Afinal, nada mais idílico do que um piquenique a ler "Os Maias"; nada mais apetecível.
Há dias em que me revolto contra a maldita distância que nos impede de estar juntos quando queremos, jovens caprichosos, e quando precisamos, amantes perdidos, magoados, saudosos. Mas é por ter este grande medo agarrado ao nosso grande amor.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

read before going to sleep é um blog onde podes encontrar alguns livros que por diversos motivos já não faz sentido pertencerem à minha biblioteca. se estiveres interessado em algum podes enviar-me um e-mail para coracaocheiodeti@gmail.com

terça-feira, 8 de maio de 2012

Avô, que já não estás aqui.

talvez nunca chegue a aprender
a escrever poemas
sobre
o antes
e o depois,
os sorrisos
e as metástases.

talvez nunca chegue a aprender
a lidar com a morte.
o caixão,
tu a parecer que ainda estás a 
sorrir,
o terço nas tuas mãos –
tu que não acreditavas em deus.

nunca quero esquecer:
as mãos de todos nós na igreja,
as lágrimas a romperem.

nunca quero esquecer:
a viagem até ao local da cremação
as espreitadelas para trás:
a urna.
o avô.
morto.


talvez esta dor nunca acabe porque
terei sempre saudades tuas.
mas, 
um dia serei capaz
de contar aos meus filhos,
ao meu marido,
aos meus amigos,
as nossas histórias.
um sorriso nos lábios, a eterna lembrança.

gosto de ti,
avô,
que já não estás aqui.

domingo, 25 de março de 2012

chegas sempre de braços abertos

 
O azul mergulhado na tua mão. A tua mão mergulhada no azul. Tu a chegar de braços abertos, porque não podes chegar de outra maneira qualquer. Há as horas, os dias, os meses sem ti e tu não podes chegar de outra maneira qualquer. Tudo te obriga a abrir os braços, a aprender a sorrir, a ver o céu azul mesmo quando chove. Tudo te obriga a ser feliz quando me vês a dois passos de ti. Uma porta abre-se: a de tua casa ou a da minha, conforme o planeado durante os meses sem nós, sem ti. Antes de tudo: tu. Em horas aprendemos a rir e a olharmo-nos nos olhos. Aprendemos que a vida é tão bela. Aprendemos a pousar os telemóveis e a esquecermo-nos da distância que poucas horas depois nos separará de novo.
Se me perguntarem o que é o amor, fingirei ter cinco anos, e responder aquilo que realmente penso que ele será: as tuas mãos na minha cintura, as tuas mãos a meterem-me uma mexa de cabelo para trás da orelha, os nossos risos, a nossa compatibilidade. O teu olhar sobre as minhas palavras, sobre o meu silêncio, sobre aquilo que sou.
Há estradas que nos separam e há mundos que nos ligam. Isto que sou eu é também construído por ti. E isto que és tu é também construído por mim.
Tu a chegar. O azul do céu e o azul do mar lá longe, tão longe. O sol. A calma. A paz. Quase que o sinto, quase. É um sentimento sempre tão igual, mas tão diferente. Sempre renovado. Tu a chegar é a melhor conjugação de palavras de sempre. Quase que o consigo dizer, quase que o consigo sentir. Não o sei explicar, mas é qualquer coisa como passeios solarengos ao parque dos patinhos e memórias de crianças, com cheiro a futuro. Transbordamos futuro, tu e eu. Os planos, o design da casa, o local escolhido para estudar, o curso, as ajudas mútuas em torno de algo comum. O futuro enche-nos a cabeça e preenche-nos o coração: ajuda-nos nas horas vagas, livres, ocupadas. Ajuda-nos a ter esperança. A esperança é a penúltima a morrer, dizes tu, porque depois dela morremos nós.
Às vezes acho que não vale a pena, que quero ser uma rapariga como tantas outras, a viver o presente, a pensar no futuro. Às vezes quero tanto pôr as preocupações numa gruta fora da minha vida. Seria tão mais fácil. Mas depois, penso, isto és tu, Ana, e já tens vindo a tentar construir, modificar, definir a tua personalidade há já quinze anos. E tento parar. Tento convencer-me de que a dor faz parte. A dor faz sempre parte e “invejo cada uma das tuas horas” como escreveu Camilo Castelo Branco na pele de Simão.
Às vezes quero tanto viver o presente, deixar de sentir a vida como sendo transitiva, como se o seu significado estivesse no presente e não no futuro, esquecer todas estas coisas que conheço e que me atormentam. Esquecer-te a ti, meu querido. São, de facto, imensas as lutas que travo comigo mesma e imensas as vezes que as consigo vencer, também é verdade. É inevitável, no meio de todos estes pensamentos, não me lembrar da voz Ian Curtis a pronunciar “when routine bites harder and ambitions are low (…) love, love will tear us apart, again”. Porque é essencialmente disto que eu tenho medo – da rotina, dos dias que passam sem ti e dos fantasmas que crio quando confrontada com este, e de que o amor nos separe. Não acredito em morte por amor, mas acredito em morte interior devido a este. Não uma morte definitiva, mas uma morte que nos pode fazer renascer se tivermos ao nosso lado as pessoas que nos amam.
Mas não te quero perder, não quero acreditar que o amor possa, enfim, um dia, acabar. Não quero acreditar que um dia o teu olhar sobre mim passará despercebido a toda a gente, incluindo a mim. E é essencialmente por isto que eu luto. Porque antes de acreditar em qualquer outra coisa, acredito no amor que nos une, e que une tantas outras pessoas. Acredito que o amor é a solução, e é ao pensar nisto que passo, imediatamente, para os the beatles, porque “all you need is love, love is all you need”. É aqui que o meu pensamento e todos os meus medos começam a esconder-se, devagar, para quem sabe talvez depois de amanhã voltarem. Mas não será a vida tudo isto? Algo cíclico, mas sempre diferente – pois nunca somos os mesmos, bem como o mundo que nos rodeia. No entanto: sempre os mesmos confrontos interiores.
As coisas que mais me arrependo de não saber fazer são, de facto, não saber falar de ti, nem escrever poemas. Apenas escrevi dois poemas na minha vida toda, exceptuando aqueles da escola primária. E de ti, apenas consigo estas coisas ridículas, onde é mais o que está nas entrelinhas do que aquilo que deveras escrevo. Mas escuta-me, acredito na nossa eternidade, por mais gargalhadas que isso possa causar na maior parte das pessoas. Deixa-me dizer clichés e admitir que ninguém sabe o que nós temos, o que nos une, a força que nos ajuda nos dias vazios. Nunca pensei que o amor fosse, realmente, isto: intimidade – não ter vergonha de te confiar os meus pensamentos mais profundos, os meus medos mais antigos, as minhas saudades devassadoras do meu avô, problemas que me revoltam e me fazem questionar tudo. Intimidade que também se traduz em não ter vergonha de estar de pijama ao pé de ti, de ter o cabelo todo despenteado, de te beijar mesmo estando constipada, de te abraçar sem tomar banho há uma semana. Sim, eu sei que quando leres isto sorrirás porque sabes que no início eram as coisas que mais me preocupavam. Eram coisas como estas, fúteis que eu pensava nunca ser capaz de partilhar com ninguém, de viver com ninguém. Pensava que tinha de aparentar estar sempre perfeita para ti, mas ensinaste-me que a perfeição é tão mais aquilo que temos dentro de nós, que o exterior é tão enganador.
Tu a chegar, de braços abertos, porque não podes chegar de outra maneira qualquer. Eu a verificar se és realmente tu quem acabou de estacionar à porta do meu prédio, verificar a tua matrícula, ficar nervosa, acalmar. O azul do céu que tanta tranquilidade me transmite, o silêncio, os sorrisos, a calma, a paz, a tua voz. A tua voz, meu querido. Não me deixes. A tua mão mergulhada no azul. O azul mergulhado na tua mão. Trazes sempre tanto dele dentro de ti – tanta calma. Obrigado por me lembrares a infância, a criança que ainda sou e por me fazeres acreditar nisto tão grande que nós temos com uma força que só tu sabes ter e explicar. E quando estiveres quase a partir e o último abraço for dado, cantar-te-ei ao ouvido: will you still need me, will you still feed me, when I’m sixty-four?

domingo, 4 de dezembro de 2011

uma pessoa é um mundo


Uma pessoa é um mundo, como diz o Pedro Paixão. Uma pessoa é um mundo e como o mundo que sou, há sempre tanto a dizer sobre mim, que é sempre difícil encontrar o princípio. Talvez eu tenha começado a existir um pouco quando os meus pais se conheceram e começaram a namorar, quando começaram a querer casar e quando depois de casados, quiseram ter filhos. Talvez eu tenha começado a ser quem sou já dentro da barriga da minha mãe. Pelo menos, uma pequena parte de mim. Sou a Ana desde o dia vinte e dois de Maio de mil novecentos e noventa e seis, pelas dezoito horas e trinta minutos. A primeira pessoa a pegar em mim ao colo foi o meu avô João, ou Jojó, como o chamava quando ainda era pequena. Nasci numa pequena cidade, mas quando tirar um curso ambiciono sair de Portugal e quiçá, ir para Inglaterra trabalhar. No dia em que fiz três anos disse a toda a gente que fazia 10 – porque queria ir para escola. Queria ser grande e saber ler. Hoje, tenho 1,69cm e devoro livros. O mundo deixou de me parecer tão fácil como quando tinha três anos. Uma das minhas primeiras memórias do mundo que me rodeia foi a morte da Amália Rodrigues. Lembro-me de ser pequenina e de ouvir nas notícias que a Amália tinha falecido. Gosto de fado e do Camané. Gosto de concertos e de estar com as pessoas de quem gosto. Não gosto da distância física nem psicológica. Não gosto de sofrer. Gosto de sorrir e de cantar Jorge Palma. Gosto de andar de bicicleta. Gosto do David Fonseca e do Tiago Bettencourt. Gosto de Londres e de Edimburgo. Gosto dos The Smiths e de ler livros em inglês. Gosto muito do “Looking for Alaska” e do “The Perks of being an Wallflower”. Gosto de falar em inglês e gosto de escrever. Não gosto de não ter inspiração. Gosto de falar das coisas que gosto e gosto muito da minha casa. Acredito que dando tempo ao tempo, todas as coisas do universo acabarão por se encaixar umas nas outras. Gosto de Lisboa, dos meus pais e da minha irmã, da minha família. Gosto de receber cartas escritas e de as enviar. Gosto de encomendas. Gosto de meias e não gosto de me despentear. Desde que descobri um poema do José Luís Peixoto, não descansei até ler todos os livros dele. Em Outubro de 2010, tive a oportunidade de o conhecer e nesse dia o meu coração triplicou de tamanho. Gosto de abraços e de sorrisos sinceros. Gostava de saber francês. Gosto de conhecer as pessoas. No verão de 2011, aprendi a cozinhar e posso afirmar que é algo que gosto muito de fazer. Não dispenso a minha ida a Lisboa no verão e não dispenso andar pelos jardins de Belém. Gosto de viagens de comboio e de andar de autocarro. Gosto do mar, de conchas e de penas. Gosto de malmequeres. Gosto de férias em família e gostei de no verão de 2010 ter ido a Inglaterra. Não gosto de confusões, nem de desilusões. Muitas vezes, eu própria afirmo ter o meu mundo do avesso e fazer tempestades em copos de lavar os dentes. Há dias em que ninguém me consegue acalmar e nestas situações, recorro à voz do Jorge Palma que como eu costumo dizer, faz bem à alma. Quero conseguir crescer da melhor maneira, se é que há uma melhor maneira, e espero conseguir superar as minhas dificuldades. Por vezes, até eu tenho dificuldades em lidar comigo. Escrever também me acalma quase sempre. Há dias em que digo que sou este círculo




porque, por vezes, as coisas dentro de mim parecem não fazer sentido. Por isso, gosto quando sei que as coisas são certas e estão bem e me reencontro. Quero ser psicóloga e gosto de fazer as pessoas sorrir. Gosto de conversas longas em que se diz e confessa o que há muito se queria. Há dias em que gosto imenso de arrumar o meu quarto e as minhas pequenas coisas. Gosto de aeroportos e de reencontros. Gosto do filme “An Education”, sendo este o meu filme preferido. Gosto de livros que nos ensinam sempre mais e sempre que estou a ler um, ele dorme ao lado da minha almofada. Gosto da minha pulseira vermelha com um coração e uso-a todos os dias porque tem significado. Gosto de coisas com significado. Aprendi, recentemente, que não gosto de algodão doce mas uma coisa de que nunca irei deixar de gostar é da papa de banana, laranja e bolacha que a mãe faz. Gosto de me sentir à vontade com as pessoas e nos locais em que me encontro. Quando conheço alguém com quem me dou realmente bem, sou capaz de falar sem parar durante horas e por vezes, até muito rápido. Gosto quando as pessoas me ouvem. Gosto quando as pessoas percebem que algo não está bem. Gosto que se orgulhem de mim. Gosto de me orgulhar de todas as coisas que construo sozinha. Gosto de agendas e da minha letra. Tenho saudades de ser pequenina e brincar horas a fio no espaço verde no jardim infantil. Gosto muito de crianças. Gosto de datas importantes e do meu namorado. Da forma como somos um com o outro. Gosto muito de todas as pessoas que amo. Gosto de girafas e de compais de pêra e de pêssego. Gosto dos meus amigos e de todos os pormenores que os fazem ser quem eles são. Gosto quando sinto que estou a crescer. Não gosto de chorar em frente das pessoas. Não gosto de admitir que dói, que custa. Gosto de escrever letras de músicas em inglês e de sentir que tudo está bem. Tenho 15 anos e quero casar-me. Tenho medo de ter filhos mas sei que os quero ter. Gosto de saber bem com quem posso contar e não gosto quando as pessoas se esquecem de mim. Digo sempre que nunca se deixa de gostar de ninguém, por pior que essa pessoa nos tenha feito. Gosto de dizer do que gosto e gosto que as pessoas leiam o que escrevo. Nem sempre sei onde devo colocar as vírgulas. Gosto de acordar já a sorrir e de ir para o duche a cantar. Gosto de tostas-mistas e de sumo de laranja natural. Não de gosto de figos, papaia e kiwi. Gosto de estar com aquelas pessoas em que estar em silêncio não incomoda. Gosto de beijinhos na testa, gosto tanto. Gosto de ler a visão. Gosto de palavras cruzadas. Tira a mão do queixo, não penses mais nisso, o que lá vai já deu o que tinha a dar, canta-me agora o Jorge Palma e eu penso que às vezes penso demasiado nas coisas. Tenho medo de perder as pessoas que amo. Não gosto de pessoas que acham que me conhecem só de olharem para mim. Não gosto de julgamentos sem razões certas. Não gosto do medo e do terror e de crianças a sofrerem. Quero janelas abertas e o sol entrar, diz tão bem a Mafalda Veiga. Gosto de arroz branco com ervilhas e gosto que me façam miminhos no cabelo. Gosto de amor e acredito nele acima de todas as coisas, porque como o Lev Tolstoy disse: “Love is life. All, everything that I understand, I understand only because I love. Everything is, everything exists, only because I love”. Gosto dos almoços de família e de me sentir tão em casa. E gosto tanto de tantas outras coisas que poderia passar o dia a escrever. Não sou nenhum livro aberto porque gosto de guardar bem dentro de mim as minhas coisas. Quem me ama e quem se preocupa sabe bem tudo o que guardo e isso basta-me. Há dias tristes, é verdade. Mas quão mais tristes seriam eles se eu não tivesse pessoas que me amassem. Sou a Ana e sou um mundo. Um mundo bem grande e bem cheio de pequenas grandes enormes coisas. Sou a Ana e gosto de ser quem sou porque não sei ser mais ninguém. Sou a Ana e gosto de mim. 

sábado, 8 de outubro de 2011

when you lose something you cannot replace


Acordo com esta sensação de que tudo o que gosto me está a deixar. A começar pelo meu avô que ainda me recuso a acreditar que, tão depressa, foi reduzido a pó. A começar pelo meu avô que foi a primeira pessoa a pegar em mim ao colo e que agora nunca mais poderei ver a cara dele a sorrir para mim, com orgulho. O meu avô que queria tanto ver-me tirar um curso e ser bem sucedida. O meu avô, do qual só restam muito poucas fotografias, uma saudade imensa e tantas memórias. E no entanto, tudo isso é tão pouco. Tudo o que gosto está lentamente a deixar-me e eu não tenho forças para correr atrás delas e lhes pedir que fiquem: as músicas boas que andavam sempre na minha boca, as histórias que tanto gostava de escrever, os filmes que adorava ver. Porque tudo isso me parece tão superficial quando penso em ti, avô. E acordo com esta dor no peito e estas olheiras, todos os dias. Durmo demasiado e parece que não chego a descansar nem metade. Acordo com esta dor enorme que me diz para ficar na cama. Morreste-me, avô. E no entanto, tudo parece continuar. Essa tua partida parece não influenciar a vida dos outros, nem me deixa ficar em casa a descansar. Gostava de falar sobre as mãos de todos nós, no dia da missa, no banco da frente, bem apertadas. As lágrimas nos olhos de todos e eu a tentar não chorar. Porque naquele momento até o meu pai e a minha avó e a minha mãe e a minha tia, eram mais pequeninos do que eu. E senti esta responsabilidade de não chorar por eles: para não sentirem mais um peso, o da minha dor. Senti necessidade de acalmar a minha tia quando ela chamava por ti, avô. Mas à noite, choro muito. E de manhã, quando vou no autocarro, choro muito sem lágrimas. E choro assim de cada vez que olho à minha volta e o mundo não pára por ti.  De cada vez que olho à minha volta e ninguém se parece importar com a dor que vai no meu peito, nem fazer quilómetros e quilómetros para me dar a mão. Se soubesse que tudo isto iria acontecer, na sexta tinha-te ido ver, avô. Só para te dizer o resultado do jogo do sporting e o quanto gosto de ti, e a última frase não teria sido apenas : adeus, avô.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

gosto de andar de autocarro.


Gosto de andar de autocarro. Gosto de me fixar em algumas conversas e saber mais daquelas pessoas apenas por simples palavras. Gosto de saber que aquela rapariga não foi ao jantar do caloiro porque torceu a perna ao cair na cadela. Gosto de saber que aquelas amigas gostam de carros de outra época mas descapotáveis. Gosto de saber mais da vida das pessoas, de entender como elas funcionam e qual é o sentido da vida delas. E por falar em sentido, estou a gostar muito de filosofia. Gosto de conversas cheias de sorrisos antes de entrar no autocarro e de beijinhos de pessoas que ainda não me tinham cumprimentado desde que as aulas começaram. Gosto quando o sol calmamente me inunde os olhos e eu os fecho, ao sentir muita paz. Gosto quando as vozes se misturam e já quase que não se consegue ouvir nada em particular. Gosto da mistura de sorrisos e da mistura de nem acredito que hoje já é sexta. Gosto de ir sentada no autocarro e pensar em tudo isto e muito mais. Gosto de pensar que gosto muito da professora de macs e que quero ir à biblioteca requisitar e investigar livros que vou ter de ler para literatura. Gosto de saber que sempre que olho para trás nas aulas, tenho alguém a sorrir para mim. Gosto de pensar que a adaptação não foi assim tão difícil, nem que a escola é assim tão grande. Gosto da esperança que me enche quando ando de autocarro. Não gosto do caminho que tenho de percorrer até casa porque tenho medo de me esquecer de todos os pensamentos que invadiram a minha cabeça durante aqueles minutos de autocarro. Gosto de chegar a casa e de ver as mesmas pessoas de há quinze anos atrás e de rapidamente beber um copo com água e ligar o computador. Hoje, gostei desta sexta-feira.