domingo, 25 de março de 2012

chegas sempre de braços abertos

 
O azul mergulhado na tua mão. A tua mão mergulhada no azul. Tu a chegar de braços abertos, porque não podes chegar de outra maneira qualquer. Há as horas, os dias, os meses sem ti e tu não podes chegar de outra maneira qualquer. Tudo te obriga a abrir os braços, a aprender a sorrir, a ver o céu azul mesmo quando chove. Tudo te obriga a ser feliz quando me vês a dois passos de ti. Uma porta abre-se: a de tua casa ou a da minha, conforme o planeado durante os meses sem nós, sem ti. Antes de tudo: tu. Em horas aprendemos a rir e a olharmo-nos nos olhos. Aprendemos que a vida é tão bela. Aprendemos a pousar os telemóveis e a esquecermo-nos da distância que poucas horas depois nos separará de novo.
Se me perguntarem o que é o amor, fingirei ter cinco anos, e responder aquilo que realmente penso que ele será: as tuas mãos na minha cintura, as tuas mãos a meterem-me uma mexa de cabelo para trás da orelha, os nossos risos, a nossa compatibilidade. O teu olhar sobre as minhas palavras, sobre o meu silêncio, sobre aquilo que sou.
Há estradas que nos separam e há mundos que nos ligam. Isto que sou eu é também construído por ti. E isto que és tu é também construído por mim.
Tu a chegar. O azul do céu e o azul do mar lá longe, tão longe. O sol. A calma. A paz. Quase que o sinto, quase. É um sentimento sempre tão igual, mas tão diferente. Sempre renovado. Tu a chegar é a melhor conjugação de palavras de sempre. Quase que o consigo dizer, quase que o consigo sentir. Não o sei explicar, mas é qualquer coisa como passeios solarengos ao parque dos patinhos e memórias de crianças, com cheiro a futuro. Transbordamos futuro, tu e eu. Os planos, o design da casa, o local escolhido para estudar, o curso, as ajudas mútuas em torno de algo comum. O futuro enche-nos a cabeça e preenche-nos o coração: ajuda-nos nas horas vagas, livres, ocupadas. Ajuda-nos a ter esperança. A esperança é a penúltima a morrer, dizes tu, porque depois dela morremos nós.
Às vezes acho que não vale a pena, que quero ser uma rapariga como tantas outras, a viver o presente, a pensar no futuro. Às vezes quero tanto pôr as preocupações numa gruta fora da minha vida. Seria tão mais fácil. Mas depois, penso, isto és tu, Ana, e já tens vindo a tentar construir, modificar, definir a tua personalidade há já quinze anos. E tento parar. Tento convencer-me de que a dor faz parte. A dor faz sempre parte e “invejo cada uma das tuas horas” como escreveu Camilo Castelo Branco na pele de Simão.
Às vezes quero tanto viver o presente, deixar de sentir a vida como sendo transitiva, como se o seu significado estivesse no presente e não no futuro, esquecer todas estas coisas que conheço e que me atormentam. Esquecer-te a ti, meu querido. São, de facto, imensas as lutas que travo comigo mesma e imensas as vezes que as consigo vencer, também é verdade. É inevitável, no meio de todos estes pensamentos, não me lembrar da voz Ian Curtis a pronunciar “when routine bites harder and ambitions are low (…) love, love will tear us apart, again”. Porque é essencialmente disto que eu tenho medo – da rotina, dos dias que passam sem ti e dos fantasmas que crio quando confrontada com este, e de que o amor nos separe. Não acredito em morte por amor, mas acredito em morte interior devido a este. Não uma morte definitiva, mas uma morte que nos pode fazer renascer se tivermos ao nosso lado as pessoas que nos amam.
Mas não te quero perder, não quero acreditar que o amor possa, enfim, um dia, acabar. Não quero acreditar que um dia o teu olhar sobre mim passará despercebido a toda a gente, incluindo a mim. E é essencialmente por isto que eu luto. Porque antes de acreditar em qualquer outra coisa, acredito no amor que nos une, e que une tantas outras pessoas. Acredito que o amor é a solução, e é ao pensar nisto que passo, imediatamente, para os the beatles, porque “all you need is love, love is all you need”. É aqui que o meu pensamento e todos os meus medos começam a esconder-se, devagar, para quem sabe talvez depois de amanhã voltarem. Mas não será a vida tudo isto? Algo cíclico, mas sempre diferente – pois nunca somos os mesmos, bem como o mundo que nos rodeia. No entanto: sempre os mesmos confrontos interiores.
As coisas que mais me arrependo de não saber fazer são, de facto, não saber falar de ti, nem escrever poemas. Apenas escrevi dois poemas na minha vida toda, exceptuando aqueles da escola primária. E de ti, apenas consigo estas coisas ridículas, onde é mais o que está nas entrelinhas do que aquilo que deveras escrevo. Mas escuta-me, acredito na nossa eternidade, por mais gargalhadas que isso possa causar na maior parte das pessoas. Deixa-me dizer clichés e admitir que ninguém sabe o que nós temos, o que nos une, a força que nos ajuda nos dias vazios. Nunca pensei que o amor fosse, realmente, isto: intimidade – não ter vergonha de te confiar os meus pensamentos mais profundos, os meus medos mais antigos, as minhas saudades devassadoras do meu avô, problemas que me revoltam e me fazem questionar tudo. Intimidade que também se traduz em não ter vergonha de estar de pijama ao pé de ti, de ter o cabelo todo despenteado, de te beijar mesmo estando constipada, de te abraçar sem tomar banho há uma semana. Sim, eu sei que quando leres isto sorrirás porque sabes que no início eram as coisas que mais me preocupavam. Eram coisas como estas, fúteis que eu pensava nunca ser capaz de partilhar com ninguém, de viver com ninguém. Pensava que tinha de aparentar estar sempre perfeita para ti, mas ensinaste-me que a perfeição é tão mais aquilo que temos dentro de nós, que o exterior é tão enganador.
Tu a chegar, de braços abertos, porque não podes chegar de outra maneira qualquer. Eu a verificar se és realmente tu quem acabou de estacionar à porta do meu prédio, verificar a tua matrícula, ficar nervosa, acalmar. O azul do céu que tanta tranquilidade me transmite, o silêncio, os sorrisos, a calma, a paz, a tua voz. A tua voz, meu querido. Não me deixes. A tua mão mergulhada no azul. O azul mergulhado na tua mão. Trazes sempre tanto dele dentro de ti – tanta calma. Obrigado por me lembrares a infância, a criança que ainda sou e por me fazeres acreditar nisto tão grande que nós temos com uma força que só tu sabes ter e explicar. E quando estiveres quase a partir e o último abraço for dado, cantar-te-ei ao ouvido: will you still need me, will you still feed me, when I’m sixty-four?

5 comentários:

  1. tão bonito, ana! (espero que ainda te lembres de mim.)
    já tinha tantas saudades de te ler.

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  2. adoro, adoro *-*
    devias escrever mais vezes!

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  3. querida ana, o blog está privado, preciso que me dês o teu email com que tens registado o blog para te convidar a teres acesso.

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  4. Muito bonito :)
    É um "amor de perdição"?

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