O azul mergulhado na tua mão. A tua mão
mergulhada no azul. Tu a chegar de braços abertos, porque não podes chegar de
outra maneira qualquer. Há as horas, os dias, os meses sem ti e tu não podes
chegar de outra maneira qualquer. Tudo te obriga a abrir os braços, a aprender
a sorrir, a ver o céu azul mesmo quando chove. Tudo te obriga a ser feliz
quando me vês a dois passos de ti. Uma porta abre-se: a de tua casa ou a da
minha, conforme o planeado durante os meses sem nós, sem ti. Antes de tudo: tu.
Em horas aprendemos a rir e a olharmo-nos nos olhos. Aprendemos que a vida é
tão bela. Aprendemos a pousar os telemóveis e a esquecermo-nos da distância que
poucas horas depois nos separará de novo.
Se me perguntarem o que é o amor,
fingirei ter cinco anos, e responder aquilo que realmente penso que ele será:
as tuas mãos na minha cintura, as tuas mãos a meterem-me uma mexa de cabelo
para trás da orelha, os nossos risos, a nossa compatibilidade. O teu olhar
sobre as minhas palavras, sobre o meu silêncio, sobre aquilo que sou.
Há estradas que nos separam e há mundos
que nos ligam. Isto que sou eu é também construído por ti. E isto que és tu é
também construído por mim.
Tu a chegar. O azul do céu e o azul do
mar lá longe, tão longe. O sol. A calma. A paz. Quase que o sinto, quase. É um
sentimento sempre tão igual, mas tão diferente. Sempre renovado. Tu a chegar é
a melhor conjugação de palavras de sempre. Quase que o consigo dizer, quase que
o consigo sentir. Não o sei explicar, mas é qualquer coisa como passeios
solarengos ao parque dos patinhos e memórias de crianças, com cheiro a futuro.
Transbordamos futuro, tu e eu. Os planos, o design
da casa, o local escolhido para estudar, o curso, as ajudas mútuas em torno de
algo comum. O futuro enche-nos a cabeça e preenche-nos o coração: ajuda-nos nas
horas vagas, livres, ocupadas. Ajuda-nos a ter esperança. A esperança é a penúltima a morrer, dizes tu, porque depois dela morremos nós.
Às vezes acho que não vale a pena, que
quero ser uma rapariga como tantas outras, a viver o presente, a pensar no
futuro. Às vezes quero tanto pôr as preocupações numa gruta fora da minha vida.
Seria tão mais fácil. Mas depois, penso, isto
és tu, Ana, e já tens vindo a tentar construir,
modificar, definir a tua personalidade há já quinze anos. E tento parar.
Tento convencer-me de que a dor faz parte. A
dor faz sempre parte e “invejo cada uma das tuas horas” como escreveu
Camilo Castelo Branco na pele de Simão.
Às vezes quero tanto viver o presente,
deixar de sentir a vida como sendo transitiva, como se o seu significado
estivesse no presente e não no futuro, esquecer todas estas coisas que conheço
e que me atormentam. Esquecer-te a ti, meu querido. São, de facto, imensas as
lutas que travo comigo mesma e imensas as vezes que as consigo vencer, também é
verdade. É inevitável, no meio de todos estes pensamentos, não me lembrar da
voz Ian Curtis a pronunciar “when routine bites harder and ambitions are low
(…) love, love will tear us apart, again”. Porque é essencialmente disto que eu
tenho medo – da rotina, dos dias que passam sem ti e dos fantasmas que crio
quando confrontada com este, e de que o amor nos separe. Não acredito em morte
por amor, mas acredito em morte interior devido a este. Não uma morte definitiva,
mas uma morte que nos pode fazer renascer se tivermos ao nosso lado as pessoas
que nos amam.
Mas não te quero perder, não quero
acreditar que o amor possa, enfim, um dia, acabar. Não quero acreditar que um
dia o teu olhar sobre mim passará despercebido a toda a gente, incluindo a mim.
E é essencialmente por isto que eu luto. Porque antes de acreditar em qualquer
outra coisa, acredito no amor que nos une, e que une tantas outras pessoas.
Acredito que o amor é a solução, e é ao pensar nisto que passo, imediatamente,
para os the beatles, porque “all you
need is love, love is all you need”. É aqui que o meu pensamento e todos os
meus medos começam a esconder-se, devagar, para quem sabe talvez depois de
amanhã voltarem. Mas não será a vida tudo isto? Algo cíclico, mas sempre
diferente – pois nunca somos os mesmos, bem como o mundo que nos rodeia. No
entanto: sempre os mesmos confrontos interiores.
As coisas que mais me arrependo de não
saber fazer são, de facto, não saber falar de ti, nem escrever poemas. Apenas
escrevi dois poemas na minha vida toda, exceptuando aqueles da escola primária.
E de ti, apenas consigo estas coisas ridículas, onde é mais o que está nas
entrelinhas do que aquilo que deveras escrevo. Mas escuta-me, acredito na nossa
eternidade, por mais gargalhadas que isso possa causar na maior parte das
pessoas. Deixa-me dizer clichés e admitir que ninguém sabe o que nós temos, o
que nos une, a força que nos ajuda nos dias vazios. Nunca pensei que o amor
fosse, realmente, isto: intimidade – não ter vergonha de te confiar os meus
pensamentos mais profundos, os meus medos mais antigos, as minhas saudades
devassadoras do meu avô, problemas que me revoltam e me fazem questionar tudo.
Intimidade que também se traduz em não ter vergonha de estar de pijama ao pé de
ti, de ter o cabelo todo despenteado, de te beijar mesmo estando constipada, de
te abraçar sem tomar banho há uma semana. Sim, eu sei que quando leres isto
sorrirás porque sabes que no início eram as coisas que mais me preocupavam.
Eram coisas como estas, fúteis que eu pensava nunca ser capaz de partilhar com
ninguém, de viver com ninguém. Pensava que tinha de aparentar estar sempre
perfeita para ti, mas ensinaste-me que a perfeição é tão mais aquilo que temos
dentro de nós, que o exterior é tão enganador.
Tu a chegar, de braços abertos, porque
não podes chegar de outra maneira qualquer. Eu a verificar se és realmente tu
quem acabou de estacionar à porta do meu prédio, verificar a tua matrícula,
ficar nervosa, acalmar. O azul do céu que tanta tranquilidade me transmite, o
silêncio, os sorrisos, a calma, a paz, a tua voz. A tua voz, meu querido. Não me deixes. A tua mão mergulhada no
azul. O azul mergulhado na tua mão. Trazes sempre tanto dele dentro de ti –
tanta calma. Obrigado por me lembrares a infância, a criança que ainda sou e
por me fazeres acreditar nisto tão grande que nós temos com uma força que só tu
sabes ter e explicar. E quando estiveres quase a partir e o último abraço for
dado, cantar-te-ei ao ouvido: will you
still need me, will you still feed me, when I’m sixty-four?