quarta-feira, 24 de novembro de 2010

i wish i'd stayed asleep today.

De cima da mesa encontras a caneta e o papel que ela deixou ontem à noite, meia perdida, quando se foi deitar. Sabes que ela ultimamente não tem vontade de fazer nada e começa a achar que foi um tsunami que lhe virou a vida do avesso: e se a vida já não é fácil quando está do lado certo, imagina quando alguém a vira do avesso. Ela não tem força suficiente para andar, quanto mais para voltar a pôr tudo no lugar. Queres ajudá-la? Ela também recusa. Faz cara de forte, como aquele desenho animado da televisão que não tem medo de ninguém. E tal como esse desenho animado ela também sabe sorrir quando está desfeita – e isso é a maior parte do tempo, excepto quando ela o vê lá ao fundo sentado numa mesa, ou no banco do carro da mãe. Ela aí jura e sabe que está bem, que as peças estão a voltar, porque ele é a vida dela. Mas depois ele volta a sentar-se no carro da mãe, ou volta a desaparecer por corredores do centro comercial e ela sente o calor a ir-se embora. Não o sente logo, que estas coisas demoram. Mas depois sente muita dor e saudade. Ela também pensa demasiado em tudo e quando alguém fala em insegurança e fragilidade, ela acha que estão a fazer um retrato dela e baixa a cabeça e fecha as mãos, como quando era pequenina, porque leu num livro da Alice Vieira, quando tinha dez anos e ainda não sabia muito bem como era o mundo, que se fechássemos as mãos com muita força, conseguíamos impedir as lágrimas de saltar cá para fora. Mas ela tem descoberto que isso é mentira, apesar de o continuar a fazer. Porque ela às vezes tem medo de acreditar em mentiras ao pensar que estas são verdades, ou acreditar em verdades que são mentiras, ou noutras coisas assim muito confusas. Ela continua a achar que é difícil encontrar-se e gostava muito de encontrar o sol a brilhar lá fora, para ir para a varanda pequenina do escritório ou para Lisboa para atravessar passadeiras com a mão da tia. Pode ter um metro e sessenta e nove de altura, mas continua a gostar disso. Como gostava de ter a prima madalena sempre a dormir na cama de baixo, ao lado dela, só porque sabe que as crianças fazem milagres e quando uma criança sorri o mundo é sempre perfeito. Ela chora à noite e diz que não às tuas ajudas e tentativas de a conseguir encontrar. Ela não faz por mal e depois quer que tu a ajudes e que a encontres e que a impeças de se afogar, mas depois está muito envergonhada, porque só fez asneiras. Sabes o que fazem as crianças quando se apercebem, passado um bocado ou até mesmo no segundo a seguir que fizeram asneiras? Escondem-se. E ela é um pouco assim. Esconde-se e fica mais tempo assim, armada em bicho-do-mato, porque tem vergonha de voltar a olhar para a cara dele e ver o sofrimento que provocou. Ela não sabe o que lhe dizer quando ele chora ou quando ele tem toda a razão do mundo. Ela fica calada, como ficou ontem, depois de deixar o papel e caneta de cima da mesa da sala. Às vezes está a ler um texto de físico-química alto, às sete da tarde, só porque gosta da professora e não a quer desiludir, e começa a chorar. Naquele estado de soluços intermitentes. E hoje de manhã despachou-se muito cedo e ficou a ver o homem da meteorologia na rtp1 a falar, e começou a chorar. Mas limpou as lágrimas e falou com ela em voz alta, em inglês. Que é o que faz sempre que isto acontece. Também pensou que não sabe o que fazer da sua vida. Depois chegou à escola e viu que estava fechada e ficou chateada porque tomou um banho desnecessário e acordou cedo, e ela sabe que precisa de dormir muito. Porque há coisas que só desaparecem com o sono. Ela tem muitas dúvidas sobre ela, e ainda não descobriu se não passa de uma criança que tem medo e acha o mundo feio, ou de uma mulher que sabe o que é o amor e a dor. Porque amar é querer morrer. Porque viver é sentar-se numa mesa a ler José luís Peixoto, ou deitar-se numa cama a ouvir David Fonseca. Achas que ela é capaz de encontrar a estrada de retorno a casa e pegar no estojo e nos livros e se ir sentar na mesa preta do quarto com vista para o quadro de New York, e pensar em Londres, enquanto estuda e faz todos os trabalhos que são precisos? Ela está a adiar o que tem para fazer. E gostava de lhe saber explicar com todas as palavras porque ontem não falou. Mas acha que não consegue, ou que ele vai gozar com ela ou achar ridículo. Ela sabe que ele não faz isso. Ela sabe que ele nunca faria isso. Mas os medos são sempre maiores que as certezas, mesmo quando estas são plenas. E ela sou eu, que tenho medo de falar na primeira pessoa porque isso oficializa mais este poço onde estou a cair. E acho que é preciso ficar bem lá no fundo, porque no outro dia li numa revista, que depois de estarmos bem lá no fundo só temos uma hipótese: subir. Mas e se ela for fraca e ficar lá para sempre e depois ficar tão envergonhada com as asneiras que fez que não deixa que ninguém se chegue perto dela? Acaba tudo, não é? Acho que vivo com duas pessoas dentro de mim. Ou então não. Só sei que te amo, Pedro. O resto é confuso e faz-me duvidar. Hoje ela ouviu a close to me dos the cure enquanto ia sozinha para casa. Ela é a parte triste de mim, ou serei eu? Ou seremos ambas? Ou não existirá mais ninguém a não ser eu? 

2 comentários:

  1. vi agora o texto porque era grande e as coisas grandes costumam deixar-se para tarde, excepto quando se trata de te beijar logo depois de dobrar a esquina ao pé do café, mas isso é outra história.
    vou estar sempre contigo. amo-te.

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  2. Ana,
    mais uma vez <3
    Continua, força e beijinho *

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