a luz era demasiada.

Estou perdida, admito, abrindo a janela. Estou perdida e tu não queres saber. Teimas em fechar as persianas em plena tarde solarenga; não deixas a luz chegar a mim. E eu peço-te que abras as janelas, que deixes entrar toda a luz que vem do mundo lá de fora. Eu já não sou capaz de brilhar por mim. Tenho quebras e falhas. Tornei-me instável, e agora, estou cá tão em baixo. Tão sem luz e tão cansada. Não quero trepar o muro, não quero saltar para o outro lado. Não quero, porque não tenho forças. É como se de certo modo até nem chegasse a estar mal. Ou então sou eu, sempre com as minhas ideias pouco metódicas e sempre sem sentido que me teimo em submeter à dor. Apetece-me muito abrir a janela e ir para lá chorar. Se ao menos morasse num quarto andar, eu chorava. Mas o tempo não o proporciona. Fico vazia e sem sentido nenhum. Apetece-me dormir, mas não quero ir para a cama. Apetece-me desligar-me de tudo e só acordar quando a paz existir no mundo (ou dentro de mim). Bem, vai dar à mesma coisa, sabes bem. Se existir paz dentro de mim, eu consigo ver a paz no mundo inteiro. Gostava de sorrir como sorria quando tu ainda deixavas entrar a luz para mim. Há muito que não deixas a luz entrar, e eu sinto-me sozinha no escuro. E é agora, as lágrimas correrem-me pelo rosto e tu não consegues ver. Não consegues ver porque não deixas a luz entrar. E eu gostava que visses, que abrisses a janela, deixasses o vento entrar juntamente com a luz e me abraçasses da mesma maneira como quando recebi a chamada da minha irmã no ano passado. E gostava que me chamasses. Que pronunciasses o meu nome como quem vê um campo de flores pela primeira vez. Precisava disso, sabes? Às vezes desconfio que não, afinal de contas não sabes nada do que eu preciso. Deixas-me chorar à noite sem nunca me abraçares. Ainda te lembras quando eu chorava e o abraço vinha logo? Foi isso que me fez apaixonar por ti, e agora nada disso existe. Nada disso volta a encher os meus dias. Estou perdida, admito, e desta vez abro a janela. E o vento e a luz entram. E tu, pela primeira vez, em tanto tempo, olhas bem para mim. Vês o meu cabelo despenteado, o meu sorriso quebrado e as lágrimas nos meus olhos. Aproximas-te e consegues sentir o meu coração bater e olhas mais um bocadinho e vês que as lágrimas não param de cair. Desculpa, digo. E ajoelho-me no chão, caindo para o lado. Estou fraca, desculpa. E não tento dizer mais nada. Já disse tudo o que queria dizer e o que não queria tu consegues ver. Tu finalmente consegues ver! Depois de tanto tempo a alimentares-te de uma escuridão longínqua tu consegues ver as minhas lágrimas. Porquê andas tão triste?, dizes numa voz quase tão fraca como eu. Não te respondo, fingindo não ter ouvido. E tu aproximas-te mais e abraças-me. Falas tanto enquanto me abraças que não consigo perceber metade. Mas não te peço para me esclareces, não quero que pares para pensar no que disseste, quero ouvir-te sempre. Sinto que está a chegar a hora, e eu quero ouvir-te até não poder ouvir mais nada. Até me terem obrigado a ficar surda. Abraças-me com mais força. Desculpa, Desculpa, a escuridão em que temos vivido. Espero que digas mais alguma coisa, mas não o fazes. Começas, então, a falar de borboletas e da pesca com o teu pai. Fazes tantas vezes isto! Misturas-me a mim com tudo aquilo que é teu. Misturas as conversas. Não queres entrar demasiado numa coisa, como tal, falas do que costumava ser bonito. Antes da escuridão, havia sempre luz, dizes no meio da conversa sobre as borboletas. E corres a abrir todas as janelas da casa. As lágrimas começam de novo a correr. Mas agora, a luz é demasiada. A luz é demasiada e não te deixa ver-me com atenção. O abraço nunca mais chegou. As lágrimas nunca mais pararam. Morri.