e tu voltaste. senti o peso do teu corpo no lado direito da cama, senti os teus pés a passarem nas minhas pernas. tu voltaste, e eu preferi fingir que estava a dormir. já me tinhas largado a mão várias vezes, já me tinhas deixado escorregar no campo quando eu gritei que precisava da tua mão, por isso preferi fingir que estava a dormir. já eram muitas noites a olhar o céu escuro e a preferir que tu tivesses decidido comprar uma casa lá junto ao mar. sempre soubeste o que as ondas fizeram por mim. levaram-me lágrimas e trouxeram-te até mim, mas mesmo assim preferiste comprar uma casa neste prédio alto, para que eu tivesse de subir cem escadas antes de meter a chave na fechadura, e ainda por cima encontrar a casa vazia. disse-te que tinha medo. tens medo, compra um cão. e eu preferi fazer de conta que não ouvi. tu sabes o quanto eu não gosto nada de cães. por isso ficava sozinha, ligava a televisão, a luz do quarto e o computador. tentava escrever palavras, mas não conseguia. eram tudo palavras gastas e usadas, sem sentido e sem alma. e para mim as palavras sempre precisaram de ter alma e vida própria. para mim as palavras sempre precisaram de falar uma a uma. e por isso desligava o computador e ficava a olhar para tudo. e a desejar a casa perto do mar. chorei muito nessas tardes tão cheias de vazio. chorei muito e tu nunca chegavas. estou ocupado. dizias num tom sério, como se fosses a pessoa mais ocupada do mundo, como se fosses deus ou o cupido (esse sim, é muito ocupado; principalmente nestes tempos. já ninguém consegue viver com ninguém) . e a verdade é mesmo essa, ninguém consegue viver com ninguém. e tu, quando me viste chegar à tua cama, a meter a roupa na cómoda e a escova de dentes na casa-de-banho, tiveste medo. muito medo. estás demasiado centrado em ti, fazes de ti o teu universo e não deixas entrar lá ninguém, para ficar. a mim sempre me foste deixando entrar no teu universo, mas depois tiveste medo. medo de te perder comigo. medo de te perderes comigo num jardim cheio de saídas. sabias bem como eu sou complicada e preciso de ver todas as placas das saídas, antes de escolher uma. e tu não tens tempo, nem paciência. e por isso chegavas tarde. deixavas-me um céu sem estrelas, um mar sem ondas, as palavras sem alma. e eu estava completamente cheia de nada, e o tudo já não conseguia ultrapassar esse nada. por isso, fingi que estava a dormir. tu nem ligaste muito. ouvi-te pegar na caneta e vi a luz do candeeiro, estavas a escrever algo. não tentei sequer tentar perceber o que era; as tuas palavras nunca tiveram alma. escreveste amo-te. um amo-te vazio, se é que percebes o que eu quero dizer com isso. por isso no dia seguinte, despejei o lixo, arrumei as minhas coisas e tirei a escova dos dentes da tua casa-de-banho, arranjei uma casa e passei a visitar-te dia sim, dia não. e tudo voltou ao normal. há pessoas que não aguentam ter alguém sempre com elas, e tu amor, és uma delas. eu não, eu desejo sempre a tua mão e o teu cansaço e o teu beijo, a toda hora. eu sou feita para viver a tempo inteiro com alguém, mas tu não. por isso decidi fazer férias de ti, não te ver sempre. vamos ver como isto corre. mas agora tenho uma casa junto ao mar e um céu com estrelas, e enquanto tudo estiver assim eu não preciso de ti todos os dias. eu desenho a tua mão no céu, e a tua voz no mar, e depois fecho os olhos, e adormeço embalada pela brisa.
quinta-feira, 27 de maio de 2010
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PERFEIÇÃO?
ResponderEliminarnão chega.
nem para ti. nem para o texto.