Encosto-me a ti tal como me costumava encostar à minha mãe. Tal e qual. E tu recebes-me como ela. A tua mão na minha cintura ou, invariavelmente, nos meus cabelos. Encosto-me a ti quando o mundo é demasiado pequeno para nós os dois só porque sinto que juntos somos inteiros. É quase impossível alguém conseguir ser inteiro: ter tudo dentro de si. É quase impossível alguém ser completo a todos os níveis e, no entanto, quando me recebes com as tuas mãos que amparam sempre as minhas quedas, tenho sempre a certeza que é possível alguém ser inteiro e completo e ter dentro de si as primaveras mais bonitas, mesmo que estas contenham dias de muita chuva. Porque a chuva também faz falta. Faz falta a chuva para os campos que vemos pela janela verdejarem. Como faz falta a chuva no nosso amor, para este ser cada vez mais forte. Sei que entendes onde quero chegar quando digo que tudo faz falta. Sou literal e quando coloco um ponto final à frente de todo este meu literalismo, arrependo-me. Arrependo-me porque quando falo que tudo faz falta, não penso em guerras nem em crianças a morrerem. Não penso quando digo que tudo faz falta. Apesar de nós sermos maiores que esse tudo. Encosto-me sempre a ti como me costumava encostar à minha mãe nos sábados à noite, quando apesar do sono, a minha força de vontade não me permitia que adormecesse. Agora que vou aprendendo como sobreviver num mundo pouco justo aos meus olhos quando não encontram os teus, prefiro os teus braços aos da minha mãe. Apesar de não abdicar dos braços dela. É justo: sem ela não estaria aqui, sem ela não viveria em ti. Prefiro, no entanto, os teus braços: são eles que me ajudam a levantar, mesmo quando ninguém sabe que caí. Nem mesmo eu. É sempre triste um mundo sem ti e sem os teus braços. É sempre mais triste um verão sem o teu sorriso e os teus sopros suaves e sempre tão refrescantes, no meu pescoço. Mas o tempo também passa sempre a correr. As horas podem custar a passar, como custa não te ter aqui para descobrir todas as sombras do parque onde estivemos juntos pela primeira vez, mas os dias passam sempre tão depressa. Numa sucessão tão contínua quanto arrepiante. E foi nessa sucessão que tu e eu chocámos. Olho agora as flores do jardim de minha casa, pela janela do meu quarto. Os pássaros cantam uma melodia quase tão maravilhosa como a tua voz sussurrada ao meu ouvido esquerdo. Ao longe, consigo distinguir a tua voz da voz do mundo. Dizes-me que já falta pouco, que juntos caminhamos e juntos morreremos. Sinto paz dentro de mim porque tu existes. Sinto o cheiro a maresia quando penso em ti. O sol a tocar-me a pele ao de leve lembra-me do modo como me tocas. Sinto paz e sinto sol e sinto calma. Oiço-te dizer que já falta pouco. Muito também não faltará, respondo-te eu já rendida ao teu calor, que deixou de ser o teu calor para ser o calor do sol. Trazes o mundo para perto de mim, dizes-me numa chamada telefónica já bastante tardia. Sorrio e digo-te que tenho sono. Vamos dormir, respondes. Amanhã é outro dia e agora quero sonhar contigo. Contas até três e desligas o telemóvel. Dorme bem vida, digo já a dormir.
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