domingo, 28 de novembro de 2010

às vezes é preciso fechar o coração.

Era uma tarde sombria, não valia a pena tentar contrariá-la, nem a ela, nem à tarde. Às vezes é assim: por mais que faças nunca consegues tapar o poço que ficava no meio da floresta onde tanto querias brincar quando eras pequena. Mas a mãe não deixava, tinha medo que caísses no poço e que ficasses lá para sempre, sozinha. E falava-te das lagartixas, e tu só de ouvir o nome e de pensar que te podiam subir pelas pernas acima, ficavas em casa a ver um filme, muito quietinha. A pensar que se calhar as lagartixas não eram assim tão más. E que sabias bem que nunca irias cair no poço, porque sempre tiveste muito cuidado. Sempre foste muito teimosa e cuidadosa. E mesmo com tanto cuidado acabaste por cair num poço. Acabaste por ficar com traumas e com arrepios na espinha sempre que vês uma lagartixa a passar junto ao muro cinzento da tua casa. Gostas de cantar baixinho em sítios públicos e nem te importas se olham para ti. Não te conhecem, logo não deviam julgar. Se te conhecerem, a mesma regra se aplica. Se te apetece cantar, porque não haverás de cantar? Sim, também sempre foste muito só de fazer o que te apetece. Mas continuas a achar que tens razão. Não há nada que te impeça de cantar se bem te apetecer. Não magoas ninguém, não falas mal de ninguém nem dizes asneiras enquanto o fazes. E se caíres durante a noite por teres tropeçado no meio dos legos da tua irmã, qual é o mal de dizeres uma asneira? Há demasiadas coisas que são impostas à força em cada um de nós. E às vezes ter cuidado não chega. Ter cuidado não chega, principalmente quando pensas que tudo pode mudar e que o mundo à tua volta é cheio de pessoas boas que só te querem bem. Iludes-te bastante. Mas depois quando se aplica a ti é exactamente o contrário: queres mudar, mas pensas sempre que não consegues, que só os outros é que conseguem; e que és sempre tu a má da fita. Ter cuidado não chega. É preciso abrir bem os olhos e por vezes, fechar o coração. Para te dares, precisas de conhecer a quem te dás. E uma vez caíste no erro de não o conheceres e de te entregares. Caíste no erro de pensar que o podias mudar, que para ti ele ía agir de maneira diferente: só porque gostavas dele. Mas nem sempre gostar chega. Nem sempre gostar é suficiente. E quando deste por ti, tinhas uma cicatriz enorme no meio do peito e tinhas medo de dizer isso a alguém. A cicatriz aumentou e tu não tinhas ninguém. Gostar nem sempre chega. Quando tu falas e as pessoas de quem gostas te ignoram e tu te calas, porque gostas delas não é o mais certo a fazer. Tens de te impor, e fechar o coração. É preciso chorar e fazer de conta que é uma grande constipação, para depois se puder recuperar. Por isso, deixa lá as lagartixas em paz, que se vires bem só te fazem mal se deixares. Porque tu até és grande e forte, quando queres. Às vezes é preciso não te esqueceres que só com uma pessoa é que podes fechar bem os olhos e abrir bem o coração, e não misturares as coisas. Há palavras que levam a outras palavras que conduzem a cicatrizes grandes, mas quem as diz não o faz por mal, por isso aproveita e chora. Daqui a pouco a cicatriz já sarou e numa noite de Fevereiro, levas um beijinho no coração e a cicatriz já não te incomoda. Não se deve pagar pelos erros dos outros. Mas às vezes acontece. Só às vezes. Só não confundas as coisas.

4 comentários:

  1. obrigado anna, pelo comentário :)
    escreves lindamente.

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  2. entrei de mansinho ainda que a medo e comecei na primeira frase. falava em lagartixas. acabei na última frase a falar de cicatrizes. às vezes, nem as cicatrizes nem as lagartixas têm nada a ver com nada, mas fazem todas parte do mesmo circulo, das coisas feias que não queremos. pessoalmente dispenso lagartixas como dispenso cicatrizes, contudo, por circunstâncias que me falham não consigo evitar nem uma coisa nem outra. afinal faz tudo parte do mesmo circulo, e uma coisa sei; não podemos fugir dele. mas isso não me importa muito, tanto as cicatrizes como as lagartixas têm a sua importância na minha vida, acho.

    * uma delícia estes textos.

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  3. Ana, muito obrigada =).

    - Mas às vezes mesmo que as coisas feias estejam no mesmo círculo, podemos virar-lhes costas, não é? Eu às vezes viro costas, aliás, virar costas é o que sei fazer de melhor. O que nem sempre é bom, mas conforta a cicatriz. sabes?

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  4. juro, Anna deixaste-me a chorar com este texto :o parece que o escreveste para mim apesar de nem me conheceres. um obrigado to tamanho do mundo :D

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