sábado, 14 de agosto de 2010

porque, afinal de contas, és tu. e não há volta a dar.

É tudo como um grande pesadelo, entendes o que te digo? Lembras-te quando eras pequeno e acordavas a meio da noite por causa disso? Tapavas-te até ao pescoço, mesmo que fosse verão. E acendias as luzes. Corrias até ao quarto dos pais e chamavas a mãe. Dizias: tenho medo. A mãe acordava e voltava contigo para a cama, dizia-te: não existem monstros. E é por isso que eu digo que foi tudo como um grande pesadelo. Daqueles que podem desaparecer durante dias, mas que mais tarde ou mais cedo, voltam a aparecer e tu nem sabes bem donde. Não podes sair da cama e ir chamar a mãe porque tens medo. Não podes contar-lhe o pesadelo que viveste; o pesadelo que tudo foi e que ainda, por vezes, é. Não podes chamar a mãe. Não podes dizer-lhe: tenho medo. Agora, podes aprender a viver com o medo. Um dia vais saber e vais mentir. Vais dizer: não existem monstros. E um grande vive dentro de ti. Vais dizer: não tenhas medo. E tu, própria vais ter medo. Mas agora, não há volta a dar. Pode ser que um dia, tudo seja já tão remoto que tu não te lembres de tudo. Vais lembrar-te sempre de algo. Mas um dia vai ser um algo pequeno. Vais esquecer-te como tudo aconteceu. Só pequenos pormenores que já deixaram de te assustar, vão aparecer. Eu sei que ainda tens medo. Que tudo foi demasiado recente para ter desaparecido um pouco. Ainda te consegues lembrar de tudo. Talvez não tão nitidamente. Nem queres. Nem fazes de prepósito para pensares nisso. Acontece. Naturalmente. Sabes que quando eras pequena conseguias contar todos os teus pesadelos, por maiores que eles fossem. Podiam ser mais que os dedos das mãos e tu ainda não teres aprendido a contar, mas sabias quantos eram e quem eram as suas personagens. No entanto, hoje, já não te lembras de quase nenhum. Lembraste de um. E muito vagamente de outros. E é preciso pensares muito para conseguires ver esses pesadelos. Por isso, tens esperança, que um dia, este pesadelo, este teu recente e real pesadelo se transforme e se evapore e tu te acabes por esquecer. Eu sei que rezas. Que tens medo. Que tens medo que o pesadelo recomece. Que venham ao de cima mais pormenores daquelas tarde. Que alguém se lembre sempre de tudo. Tens medo que mais alguém escreva aquilo num papel, como naquela aula. Tens medo de não conseguir ser suficientemente forte, outra vez. Como julgas que foste. Tens medo que se riam nas tuas costas. Tens medo. O medo é um campo minado. Dás um passo e tudo pode explodir. Tudo pode recomeçar. Não. O medo não é um campo minado. A vida é um campo minado. Eu sei que rezas muito no teu interior. Rezas porque não te queres lembrar mais desse pesadelo. Não queres que ninguém se lembre. E no entanto sabes que é impossível. Agora, parece-te impossível. Talvez não seja. Talvez sejas sempre suficientemente forte. Um dia tudo acaba. E como costumas dizer: um dia mais perto do que pensas. Tens de acreditar. É tudo o que te resta. E ao menos, enquanto acreditas, enquanto vives e corres e sentes o vento e te ris e dizes: não posso. Talvez enquanto lavas a cara e te vestes, sem nunca te olhares ao espelho, te vás esquecendo de tudo. Eu quero que isso aconteça. Eu quero que fiques bem. Que nunca mais te lembres. Acredita. O sol pode fazer milagres. A vida pode fazer milagres.

2 comentários:

  1. "O medo é um campo minado. Dás um passo e tudo pode explodir. Tudo pode recomeçar. Não. O medo não é um campo minado. A vida é um campo minado.". este texto está tão bom!
    e sim, às vezes precisamos de dar um tempo :x

    ResponderEliminar