numa cama que não era minha.

porque não ficas no meu quarto? podes sempre pegar nos meus livros e ver as partes que eu sublinhei, acho que nos vais encontrar por lá. podes descansar na minha cama, e eu posso abraçar-te. posso ler-te o livro da margarida que comprei no verão. Num verão em que tu ainda não existias. Num verão em que chorei muito, numa cama que não era minha; chorei muito e baixinho, para ninguém na casa ouvir. A casa era pequenina, mas dava para nós os quatro. Nesse verão vi muita anatomia de grey, deitada numa cama que não era minha, antes de ir para a praia. Houve choros de quase todos, e mesmo assim foi um verão bonito. Nesse verão tu ainda não existias, ainda não me iluminavas, ainda não me fazias viver com as tuas palavras. Porque não ficas agora no  meu quarto? As fotografias estão espalhadas pelo chão, o meu caderno preto está aberto sobre a mesa, e se quiseres pode sempre entrar um cheirinho a café. Fica no meu quarto, não digas que não. Eu posso mostrar-te as fotografias desse verão, e tu podes dizer que eu era muito diferente e que algumas fotografias estão mesmo bonitas. Eu lembro-me muito desse verão, foi o verão antes de ti. O verão antes de um gélido inverno. Um gélido e longo inverno. Vá lá, deixa-te ficar. Eu tenho muito para te contar, muito para te mostrar, muito para te dizer que eu acho que às vezes uma vida não chega. E se fores embora já, o tempo vai ficar ainda mais curto. Mais curto e mais demorado. Vai demorar mais a passar, tu sabes. Por isso fica no meu quarto. Há muita coisa que podes ver, e eu posso levar-te a comida à cama no tabuleiro rosa. E ficas na minha cama, sim. Bem sei que não é tua, mas tu uma vez disseste-me:  tudo o que é meu é teu. E eu agora digo-te que tudo o que é meu é teu. Por isso esta cama é tua. Deixa-te ficar. Descansa, dorme e se quiseres chora. Mas não chores baixinho. Chora alto. Que eu quero abrir os braços para ti e deixar-te chorar, enquanto te acaricio os cabelos.